sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Projeto ENCODE e células-tronco


Posted: 20 Sep 2012 02:45 PM PDT

Na semana passada falei do projeto ENCODE que mostrou que apesar do fato de termos só um pouco mais de 20.000 genes, o DNA que está entre eles tem um papel fundamental na sua regulação. Não precisamos mais nos sentir inferiorizados em comparação com o vermezinho C.Elegans ou o tomate, que tem um número maior de genes que nós, humanos. A dignidade do nosso genoma foi resgatada. Mas qual será a aplicação prática dessas novas descobertas?  Como as células-tronco poderão nos ajudar?

Entender o nosso genoma será muito mais complexo
Os  cientistas identificaram 4 milhões de variantes ao longo do nosso genoma que têm função regulatória e que controlam o funcionamento dos nossos genes. São essas variantes que controlam os genes que vão ser ligados (ativados) ou desligados (silenciados), se eles vão expressar uma quantidade maior ou menor de um produto. Os pesquisadores analisaram também quase 150  tipos celulares para verificar como a expressão do genoma difere entre uma célula e outra, o que diferencia uma célula de fígado de uma de rim, por exemplo.

O uso de modelos animais poderá ser mais limitado
O fato de termos tantas sequências regulatórias explica porque algumas doenças humanas diferem tanto em modelos animais. Por exemplo, na distrofia de Duchenne, que só afeta meninos, a doença é causada pela ausência de proteína distrofina no músculo. Isso causa a degeneração muscular e perda da ambulação ao redor dos 10 anos. Já o camundongo mdx, que também não tem distrofina no músculo e que poderia portanto ser um modelo clínico ideal para DMD, não tem fraqueza muscular. A resposta, nesse caso, certamente não está nos genes, mas nas sequências regulatórias que devem ser diferentes nos humanos e camundongos. Será que o camundongo mdx consegue ativar outro gene que cumpre o papel de manter o músculo funcional? E se isso for verdade como transportar essa informação para os seres humanos?

E qual será o papel das células-tronco nisso?
As células-tronco obtidas de pacientes poderão ser parceiras muito importantes. Quando falamos de células-tronco as pessoas sempre pensam no seu potencial para regenerar tecidos ou quem sabe órgãos no futuro. Mas elas têm um outro papel muito importante. Já falei disso em colunas anteriores. 
A partir de células da pele de uma pessoa – ou paciente – podemos gerar, no laboratório linhagens celulares que representam todos os tecidos daquela pessoa: músculos, sangue, ossos, células nervosas entre outras. Isso nos permite analisar o funcionamento dos genes, como eles se expressam em diferentes tecidos, porque uma mutação pode afetar um tecido e não outro e principalmente porque pessoas com a mesma mutação podem ter quadros clínicos tão diferentes. E o melhor de tudo. Podemos manipulá-las, estudá-las, compará-las e realizar inúmeras experiências que seriam impossíveis nas pessoas. As células passam a ser nossos pacientes.

As células-tronco e os resultados do projeto ENCODE  nos abrem muitas novas perspectivas para tratar inúmeras doenças genéticas ou complexas
Além das doenças genéticas, podemos citar o câncer, diabetes, artrite reumatoide ou outras doenças auto-imunes. Se por um lado alterar um gene – ou às vezes vários no caso de doenças complexas – é extremamente difícil podermos atuar na sua regulação ao desvendar os mecanismos responsáveis. Podemos aumentar a expressão de um gene (ou genes) que está pouco funcional ou ao contrário silenciá-lo se ele estiver muito ativo ou produzindo um produto em excesso. Ou descobrir se há algum outro gene capaz de desempenhar um papel semelhante. Podemos testar inúmeras drogas ou estratégias para reverter o defeito responsável por uma doença genética nas células daquele paciente antes de nos preocuparmos com os possíveis efeitos colaterais ou aspectos éticos de usar o ser humano como cobaia.

Em resumo
Entender como essa maravilhosa orquestra do genoma humano funciona é fascinante. Teremos assunto para muitos anos de pesquisas.  Entender qual é o mecanismo que protege algumas pessoas dos efeitos deletérios de uma mutação poderá abrir novas perspectivas de tratamento para inúmeras doenças. Esperemos que as informações obtidas pelo projeto ENCODE e as novas tecnologias possam nos ajudar a desvendar os mistérios por trás dessa nossa imensa variabilidade e nos fornecer novas pistas para tratamentos.
Por Mayana Zatz

Nenhum comentário:

Postar um comentário