sábado, 7 de julho de 2012

Gen Ética e esportes

Posted: 05 Jul 2012 11:47 AM PDT

Por Mayana Zatz

Na semana passada participei do 1o simpósio brasileiro de genômica e esporte, organizado pelo Dr. João Bosco Pesqueiro, na Universidade Federal de São Paulo. Toda vez que se aproxima a data das olimpíadas, o assunto do doping genético volta a baila. Mas agora discute-se um novo dilema ético. Em junho, pesquisadores americanos publicaram um novo método de diagnóstico pré-natal no primeiro trimeste da gravidez (Kitzman et al., Sci Transl Med. 2012, Jun 6). Como há sangue fetal circulando no sangue materno durante a gravidez, a análise do genoma do feto poderá ser definido combinando-se informações do DNA dos pais (obtidas através de uma amostra do sangue da mãe e da saliva do pai). A técnica ainda precisa ser aperfeiçoada, mas não demorará muito para que ela esteja acessível. Quais serão as vantagens e desvantagens dessa nova tecnologia ? Com certeza ela representa um avanço importante no diagnóstico pré-natal de doenças genéticas. Mas já há quem diga que ela poderá representar uma nova forma de eugenia. Por exemplo, ser usada para selecionar bebês com características não relacionadas a doenças como a aptidão para esportes.

Genes “de esporte”: é possível selecioná-los?

O projeto genoma humano mostrou que temos cerca de 23.000 genes. Muito menos do que os 50 a 100.000 estimados quando o sequenciamento do nosso genoma foi iniciado em 2000. Para alguns, uma grande decepção. Só para vocês terem uma ideia, perdemos até para o tomate. Seu genoma, que acaba de ser sequenciado, possui mais de 30.000 genes. Mas por outro lado, nosso genoma é muito mais complexo que imaginávamos. Estima-se que temos 3 milhões de variantes (SNP em inglês de single nucleotide polymorphism) que fazem uma pessoa ser diferente da outra. Dentre elas, algumas centenas estariam associadas ao desempenho esportivo que depende, como todos sabem, de várias características tais como altura, peso, massa e composição muscular, capacidade respiratória, capacidade de metabolizar glicogênio e até motivação – só para citar algumas. E obviamente o treino tem um papel fundamental. O desempenho muscular obedece a uma herança dita complexa ou multifatorial com uma contribuição genética e ambiental.

E as novas tecnologias poderiam identificar um perfil genético de atleta?

Já é um consenso que um gene não pode predizer muito. Mas com o sequenciamento do genoma inteiro, a um preço cada vez mais acessível, seria possível identificar um perfil genético associado a um melhor desempenho esportivo? Certamente não será fácil. Seria necessário sequenciar os genomas de inúmeros atletas e compará-los com pessoas que não têm um bom desempenho esportivo. Não com os sedentários (que podem ter um perfil favorável, mas não tem motivação para esportes), mas com aqueles que praticam esportes e nunca são campeões. Por exemplo, comparar entre os maratonistas aqueles que chegam na frente e aqueles que chegam por último. Como é necessário a combinação de inúmeras variantes genéticas – que interagem também com o ambiente – será muito difícil determinar com certeza o perfil genético ideal de um campeão. Mas, e se fosse possível?

Testar crianças: Ético ou não ético?

Seria ético testar crianças para variantes relacionadas a um melhor desempenho esportivo? Como sempre, os interesses comerciais estão à frente das questões éticas e já há testes sendo oferecidos. De acordo com uma mãe que queria que seu filho fosse testado para a variante ACTN3 ( um teste oferecido para medir a aptidão das criancas para esportes de velocidade ou resistência) isso poderia evitar muita frustração parental. Sou totalmente contra. E a frustração da criança? Podemos imaginar duas situações: a criança tem o “perfil genético de atleta”. A expectativa dos pais é que ele seja um campeão? E se a criança não gostar de esportes? Se ela tiver preferência por música ou ciência? Será forçada a praticar esportes? A competir? E se a criança não tiver o “perfil genético de atleta”? Será desencorajado pelos pais? Mesmo se gostar de esportes? Não terá reforço do treinador esportivo? Na minha opinião todas as crianças devem ser estimuladas a fazer exercício físico ou praticar algum esporte de acordo com sua aptidão e preferência, independentemente do seu perfil genético. Pelo prazer, pelo impacto positivo na saúde, pela interação social com os colegas. É isso que deve ser reforçado mesmo porque somente uma porcentagem muitíssimo pequena de crianças e jovens “excepcionais” serão os campeões.

E o novo teste de diagnóstico pré-natal ? Quais são os prós e os contra?

O trabalho publicado pelo grupo da Dra. Jay Shendure, mostrando que em pouco tempo será possível aprimorar e ampliar os testes genéticos durante a gravidez, sem necessidade de exames invasivos, teve enorme repercussão na mídia. A comparação entre os genes maternos e paternos permitirá identificar os genes do futuro bebê. Ainda é uma técnica em teste, mas prevê-se que logo ela estará disponível nos laboratórios. A vantagem será a possibilidade de detectar doenças genéticas, numa fase precoce da gestação sem necessidade de exames invasivos. Mas logo depois do anuncio desse novo avanço tecnológico começaram a surgir as novas questões éticas. Será que exames como esses não levarão a uma nova forma de eugenia e interrupções de gestações por motivos não relacionados a doenças genéticas? Será que os pais não ficarão tentados a interromper uma gravidez se o feto não possuir características não favoráveis, por exemplo, para um bom desempenho atlético questiona o jornalista Eric Metaxas . “Porque os pais precisam saber qual é o genoma de seus futuros filhos? Para decidir quem deve nascer?” Pergunta ele. Não é dificil imaginar outras situações que poderão ocorrer. Aquele pai, esportista fanático, quer saber se seu futuro bebê terá o genoma de um futuro atleta. Ao buscar os resultados do exame, o geneticista lhe diz: tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que será um menino, alto, musculoso, inteligente e com grande aptidão genética para esportes. E qual é então a má noticia pergunta o futuro pai ansioso? Ele não é seu filho. E aí, pergunto eu? Melhor saber ou não saber?

http://veja.abril.com.br/blog/genetica/sem-categoria/gen-etica-e-esportes/

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