quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Clonagem da ovelha Dolly abre caminho para futura prevenção de doenças mitocondriais


Posted: 01 Nov 2012 01:08 PM PDT

Na semana passada escrevi que a morte prematura de Keith Campbell,  que juntamente com Ian Wilmut clonou a ovelha Dolly, foi uma triste notícia. Recordando: esses dois pesquisadores mostraram pela primeira vez que era possível, a partir de uma célula diferenciada (a glândula mamária) gerar um clone do animal de onde havia sido retirada a célula. Em 1996 foi anunciado o nascimento da ovelha Dolly, o primeiro mamífero clonado. Na época, isso gerou notícias alarmantes: vão clonar seres humanos! Estão brincando de Deus!
Nada disso aconteceu e na realidade o grande feito de Keith Campbell e Ian Wilmut foi abrir o campo das pesquisas com células-tronco. Eles mostraram, pela primeira vez, que uma célula adulta poderia ser reprogramada e voltar ao estágio de célula embrionária, com potencial de formar qualquer tecido. Isso abriu o campo de pesquisas com células-tronco que hoje oferece esperança de tratamento para inúmeras doenças e condições. Na minha opinião, os dois também mereciam um prêmio Nobel. Infelizmente Campbell faleceu antes de recebê-lo. Mas o que tem isso a ver com as doenças mitocondriais?

Tudo começou com a técnica de transferência de núcleos que gerou a ovelha  Dolly
Para conseguir clonar a ovelha Dolly, os pesquisadores usaram uma técnica de transferência de núcleos. Isto é, retiraram o núcleo de uma célula da glândula mamária de Dolly que foi transferido para um óvulo sem núcleo. Esse óvulo foi então inserido no útero de uma outra ovelha. Não foi um processo fácil. Foram 277 tentativas, mas finalmente a experiência foi bem sucedida e a famosa Dolly foi gerada. Estava provado que, através da transferência de núcleos de uma célula já diferenciada para um óvulo sem núcleo, é possível reprogramar essa célula para que ela volte ao estágio de célula embrionária totipotente e seja capaz de gerar um indivíduo, se colocada em útero.
Depois disso foram realizadas inúmeras experiências frustradas para tentar reprogramar células com essa técnica – a chamada  clonagem terapêutica -  não para gerar clones, mas células-tronco pluripotentes em laboratório. Felizmente, Yamanaka descobriu uma maneira muito mais fácil de reprogramar células diferenciadas – as células IPS (induced pluripotent stem-cells) que lhe deram o prêmio Nobel. Mas não são as células IPS e sim a técnica de transferência de núcleos que poderá permitir a mulheres portadoras de doenças mitocondriais gerar descendentes saudáveis.

Como essa metodologia pode ajudar nas doenças mitocondriais?
Recordando, as mitocôndrias são estruturas que ficam nas células ao redor do núcleo (citoplasma) e que são uma fábrica de energia para a célula. Embora quase todo o nosso DNA esteja dentro do núcleo da célula, as mitocôndrias também possuem um tipo especial de DNA – o chamado DNA mitocondrial. Esse DNA praticamente não influencia as nossas características genéticas, mas mutações no DNA mitocondrial causam doenças que podem ser muito graves. Estima-se que elas atingem uma em cada 5.000 pessoas. Como as mitocôndrias são transmitidas através do óvulo (e não do espermatozoide), se uma mulher tiver um doença mitocondrial ela será transmitida a seus descendentes. Como prevenir?

A  transferência do núcleo de um óvulo com mitocôndrias  “alteradas” para outro com mitocôndrias sadias pode prevenir  a transmissão de doença mitocondrial para os descendentes
A estratégia de transferência de núcleos de um óvulo para outro já foi realizada com sucesso em macacos há três anos pela equipe coordenada  pelo pesquisador Shoukhrat Mitalipov. Na época, foram gerados quatro macacos que continuam saudáveis até hoje.  Agora, a mesma equipe conseguiu criar embriões humanos nos quais todas as mitocôndrias vieram de outra doadora.  Isto é, o núcleo do óvulo onde estão as informações genéticas foram retiradas do óvulo com mitocôndrias alteradas, transferido para um óvulo enucleado com mitocôndrias saudáveis e fertilizado então por um espermatozoide para criar um embrião. Os  embriões humanos não foram implantados em útero como no caso dos macacos, mas foram cultivados até  o estágio de blastocistos (cerca de 100 células) e geraram linhagens celulares aparentemente normais. A pesquisa acaba de ser publicada na revista Nature .

Ainda há problemas a serem resolvidos
Segundo os autores da pesquisa, cerca de 50% dos óvulos apresentaram problemas e não conseguiram ser fertilizados. Aparentemente os óvulos humanos seriam mais sensíveis do que os das macacas. Mas os cientistas responsáveis por essa experiência  afirmam que cerca de 20% dos óvulos produziram embriões que poderiam ter sido transferidos para um útero se a legislação já aprovasse essa técnica. Essa possibilidade, que está sendo chamada por alguns  de “bebês com três genitores” já está gerando novas questões éticas. Na realidade, a transferência de mitocôndrias saudáveis poderia ser comparada com um transplante de órgãos, nada mais do que isso. Mas para mulheres portadoras de doenças mitocondriais a aprovação dessa prática poderá lhes permitir gerar bebês saudáveis, algo que aguardam há muito tempo. Eu torço para que isso seja possível o quanto antes. E você: é a favor ou não da aprovação dessa tecnologia?

Por Mayana Zatz

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